terça-feira, 1 de março de 2005

VAI CHOVER!


Eu sabia que um dia iria comentar sobre eles: o remake de O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 2003... 2003... 2003!!!) e a reestréia nas tel(inh)as de O Justiceiro (The Punisher, 2004). Dizer que "esperei muito" por essas duas produções seria de uma modéstia franciscana. O que aconteceu aqui foi o cúmulo da trapalhada na distribuição setorizada de filmes. Tudo o que podia dar errado, deu, e tudo o que não podia acontecer, aconteceu. Chegou num tal ponto, que, no caso de Massacre, a coisa descambou para uma tragicomédia com um lado cruel predominante. O filme fez até aniversário em terra brazilis, com sua estréia sendo adiada seguidamente (e sadicamente), para desespero dos fãs (ok, meu desespero). Já o pobre Frank Castle nem sentiu o gostinho das telonas, sendo encaçapado direto para as locadoras.

Não fiquei revoltado por causa desses filmes em particular (ou pela estréia defasadíssima dos dois volumes de Kill Bill), mas devido a uma tendência de atrasos que está se tornando cada vez mais constante por aqui - principalmente em produções com uma temática mais seguimentada e menos mainstream. Seria exagero dizer que estamos voltando ao Brasil sisudo do final dos anos 70/início dos 80, quando um filme/LP/livro/o-que-for demorava 2 ou 3 anos pra chegar aqui. É exagero mesmo, mas só o fato desses episódios terem me lembrado dessa época...


O Massacre da Serra Elétrica original foi um marco underground dos filmes de horror. Dirigido por Tobe Hooper, essa produção de 1974 acertou em cheio ao transformar aparentes deficiências técnicas em exercícios alternativos de estilo. Filmado em 8mm, ele causava a impressão típica de um snuff movie, criando uma atmosfera de pesadelo realístico tão impressionante quanto doentia. Quem assistiu o Massacre original, jamais irá esquecê-lo, mesmo que não tenha apreciado/suportado a bad trip.

A história, escrita por Hooper e Kim Henkel, foi baseada nos crimes do assassino em série, canibal e necrófilo (urgh) Ed Gein, que, junto com Ted Bundy e John W. Gacy, foi o 'muso inspirador' de 80% dos filmes de horror das últimas três décadas. Isso sem contar o maior mérito do filme (na minha opinião): a maravilhosa quebra de narrativa do meio pro final. A nervosa calmaria da primeira metade é atropelada sem cerimônia pelo massacre da segunda. É um filme praticamente dividido em dois. Obrigatório é pouco.

Michael Bay, quem diria, foi a via para realização do remake. Isso ainda não o redime daquele Pearl Harbor xaropão e de suas produções bróqui-bâster com o Jerry Bruckheimer, mas ao menos dessa vez ele segurou a serra elétrica do lado certo. Quem viu o arrepiante trailer, pode ficar tranqüilo - o filme, dirigido pelo clipeiro Marcus Nispel, corresponde a expectativa.

Na verdade, a nova versão é bem mais do que uma refilmagem. É uma releitura mesmo. Vários elementos novos pipocam aqui e ali, e são suficientes para criar uma nova mitologia, sem se apoiar excessivamente na original. E isso é ótimo! Além de driblar o óbvio (numa tentativa frustrada de reeditar o mesmo impacto do 1º filme), essa nova versão confere um novo fôlego a uma estrutura que já foi imitada ad nauseum desde seu lançamento. Méritos para Scott Kosar, que trabalhou o novo argumento em cima do clássico roteiro de Hooper/Henkel.


No filme original, após uma introdução sinistra que narra o ocorrido ao melhor estilo Caso Verdade, a história acompanha cinco jovens (dois casais e um carinha numa cadeira de rodas) viajando numa van. Em certo momento, o grupo dá carona a um sujeito, no mínimo, bizarro. Logo acabam parando numa teia de aranha disfarçada de posto de gasolina e daí pra se aventurarem pela vizinhança da família Sawyer é um pulo.

Na nova versão, há algumas mudanças, sendo todas relevantes. O novo grupo de jovens é formado por Erin (Jessica Biel), Morgan (Jonatan Tucker), Pepper (Erica Leerhsen), Andy (Mike Vogel) e Kemper (Eric Balfour), que estão vindo do México numa van cheia de marijüana malocada. Já o "caroneiro" da vez é uma mulher bastante desorientada que está vagando sem rumo no meio da estrada. Não demora muito e "nossos heróis" param no velho posto de gasolina atrás de ajuda. Daí pra frente é só descida. Eles fazem uma tour pelo assustador casarão-açougue e a quantidade de esguichos de sangue vai aumentando até culminar na mais que esperada primeira aparição de Leatherface, aqui encarnado pelo gigantesco Andrew Bryniarski (o Zangief, do buscapé Street Fighter: A Batalha Final, e o Lobo, do ótimo curta Lobo Paramilitary Christmas Special).

Com certeza, Bryniarski é o melhor serralheiro da série, depois do honorável carniceiro Gunnar Hansen, do clássico original. Entre Hansen e ele, vestiram a camisa 10 do Leatherface: Bill Johnson (The Texas Chainsaw Massacre 2), R.A. Mihailoff (The Texas Chainsaw Massacre 3) e Robert Jacks (The Texas Chainsaw Massacre: The Next Generation [blergh!]).



Os Sawyer agora são os Hewitt (um nome tão dechavado quanto "Voorhees"). Originalmente, o velho Leather chamava-se Bubba Sawyer e aqui ele foi rebatizado como Thomas Hewitt ("um bom garoto, mas com uma terrível doença de pele"). Fora ele, a formação da família recebeu um providencial upgrade. O excelente R. Lee Ermey passou a ser o "social" do bando. Quem conhece esse sensacional ator-por-acidente já sabe o que esperar de seu personagem (um xerife!). Outra adição foi o guri-monstrinho de bom coração Jedidiah (David Dorfman) e o velho escroque Monty (Terrence Evans, um maldito sortudo... assista pra saber por quê).

No "núcleo carinhoso" do filme, três senhoras esquisitas marcam presença - uma delas, a Henrietta, me impressionou pela ótima interpretação da atriz Heather Kafka... as feições de seu rosto mudam de "adorável" para "psicopata raivosa" com uma facilidade incrível. Aliás, a seqüência dentro do trailer funciona como uma pausa no pique-pega infernal, mas, ao mesmo tempo, é responsável pelo momento mais tenso e inquietante do filme - substituindo, naquela hora, o horror físico por um horror bem mais psicológico (devidas as proporções).

À princípio, o filme sugere um direcionamento de suspense teen, mas graças a São Jason, esta primeira impressão logo é arremessada na vala à base de serradas e desmembramentos. A fotografia (do mesmo Daniel Pearl do filme original), embora não traga aquela crueza visual de outrora, é de uma sujeira cavernosa, beirando a decadência dark. E repare na "participação especial" do ícone gordinho da cultura pop Harry Knowles, do site Ain't It Cool News. É dele a cabeça que está numa bandeja no casarão dos Hewitt. Isso que é fazer uma ponta.

O filme soa como um banho de sangue refrescante para qualquer fã de terror. Ele funciona. É catarse em celulóide. Perverso, desumano e cruel. Leatherface sofreu em continuações pífias onde foi reduzido a um mero brutamontes bobão ("muito trabalho e pouca diversão"). Mas aqui, ele voltou a ser aquele vagalhão demoníaco de mutilações e violência primal, atravessando portas como se fosse um trator descendo a ladeira.

A nova versão de O Massacre da Serra Elétrica entra tranqüilo na lista dos grandes remakes "que-são-muito-mais-do-que-isso", como A Noite dos Mortos-Vivos, de Tom Savini, e Madrugada dos Mortos, de Zack Snyder. Elogio maior, impossível.

E outra coisa: Jessica Biel correndo por aí com uma camiseta molhada e amarrada acima do umbigo... Nossa, esse filme é muito mais do que eu pedi a Deus.


Apesar do tsunami de adaptações de quadrinhos para o cinema, o Justiceiro, um dos personagens mais populares da última década, não teve moleza. Com uma campanha de marketing levada nas coxas, um trailer meia-boca à Temperatura Máxima e uma carreira internacional irregular, o filme obviamente foi um fracasso de bilheteria. Mesmo assim, está conseguindo uma sobrevida com as ótimas vendagens do DVD - fator que está se tornando cada vez mais decisivo nas previsões orçamentárias dos estúdios (vide os rumores sobre Hulk 2). Outro desafio era levar às telonas um personagem cujo universo e motivações já foram exploradas zilhões de vezes desde o primeiro Desejo de Matar, de 1974 (também o ano da criação do Frank Castle). A comparação com produções mais recentes, como O Vingador, com Vin Diesel, só servem para minar ainda mais a credibilidade do filme. Com um cenário nada amigável, o longa do Justiceiro se tornou persona non grata na originalidade temática do cinema atual. E não foi por falta de chances, pois o personagem perdeu a sua em 1989, num filme fraquinho pra chuchu com o Dolph Lundgren.

O que acaba restando como diferencial é a índole de anti-herói nato do Justiceiro. Mas essa só é reconhecida por fanboys, o que descarta uma maioria que não sabe nem o que significa "HQ". Portanto, de fanboy pra fanboy... O Justiceiro traz várias discrepâncias em relação aos quadrinhos, mas todas sem modificar o seu já conhecido perfil psicológico - muito pelo contrário, algumas até sendo mais coerentes com a mentalidade extrema de quem anda por aí atirando sem remorso.

Sai o Lundgren (com aquela cara de tuberculoso terminal) e entra o parrudo Thomas Jane, que é ator de verdade e absurdamente como eu sempre imaginei que o Castle seria em live-action (se bem que às vezes ele manda um olhar que é igualzinho ao do Christopher Lambert). Foi uma ótima escolha. Jane está para o Castle como o Jackman esteve pro Wolverine e como o Hasselhoff esteve pro Nick Fury... brincadeira.

Em sua estréia na direção, Jonathan Hensleigh (que também escreveu o roteiro) fica bem no meio-termo da fidelidade às HQs. A origem do Justiceiro sai do Central Park para uma idílica casa de praia em Miami, e ao invés de ter "apenas" esposa e filhos assassinados por criminosos, ele tem a família inteira chacinada (pais, tios, avós, papagaios, etc). Cabe aí o mérito para a interpretação de Jane, pois o seu sarcasmo e bom-humor iniciais se transformam num silêncio introspectivo e mortificante após o massacre. O culpado pelo genocídio é Howard Saint (John Travolta), um chefão do crime cujo filho morreu durante uma operação liderada por Castle contra o tráfico de armas. Completam a 'legião do mal' a voluptuosa esposa de Saint, Livia (Laura Harring), e seu capanga number one, Quentin Glass (Will Patton). Castle também arrebanha alguns simpatizantes: a triste e amargurada Joan (a maravilhosa Rebecca Romijn-Stamos) e uma dupla de outsiders/coadjuvantes cômicos.

Como visto, a história não traz nenhuma novidade, então o que sobra é a maneira como ela é conduzida. Vamos tomar como parâmetro o Castle malvadão de Garth Ennis (aquele que todo fanboy considera um legítimo Castle safra 74). Ele jamais se associaria a três pessoas extremamente comuns e que não teriam nenhuma serventia prática para ele (como o Microchip nas HQs, p.ex.). Mas como alívio narrativo para o espectador médio eles funcionam. E em nenhum momento Castle se deixa contagiar pela normalidade destes, o que rende algumas cenas até engraçadas de fato (como a do jantar). Nas seqüências de ação, fica evidente que o modus-operandi de Castle não é o de um sujeito normal. Ele mata com gosto, cheio de preciosismo. Numa das cenas, ele esfaqueia um inimigo abaixo do queixo, deixando à vista a lâmina atravessada dentro da boca.


E é aí que algumas seqüências realmente fazem O Justiceiro acontecer. A luta entre ele e o monstruoso Russo (Kevin Nash) poderia ser aquele churrasquinho de gato igual ao filme do Demolidor, mas acaba revelando uma insuspeita inventividade à base de narizes quebrados e nacos de carne arrancados, sendo, ao mesmo tempo, espirituosa e carregada de humor negro. Só essa briga, apesar de curtinha, já vale o aluguel.

Por outro lado, certos joguetes não soam nada naturais, como a intriguinha que Castle cria colocando Saint contra Glass. Apesar de curiosa, não tem nada a ver com o Justiceiro. John Travolta, por sua vez, leva tudo no controle remoto. Seu personagem é por demais contido em relação aos sucessivos ataques de Castle. Se tivesse a mesma presença maligna do vilão que ele interpretou na metade de A Outra Face, seria diferente. Ainda não foi dessa vez que o Justiceiro ganhou um antagonista à altura. Também não levou a nada a cena em que o mariachi assassino faz um número para Castle dentro de um bar, numa citação mais do que deslocada da trilogia de Robert Rodriguez. Outro furo - dessa vez colossal - foi o desaparecimento da polícia da metade pro final, mesmo após Castle ter deixado claro para dois oficiais que iria fazer justiça com as próprias flechas.

Entre mortos e feridos, O Justiceiro acaba conseguindo ser, por breves momentos, o filme que o personagem merecia. Do jeito que está, ele não é o diabo que pintaram por aí, mas também não é o filme com o qual Garth Ennis se emocionaria.

Pelo menos Castle não é grego. Nem ninja.


dogg, surdo e rouco... e na trilha, I Love The World, do sumido New Model Army - a primeira coisa que escuto desde o acachapante show do Anthrax...

2 comentários:

Anônimo disse...

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doggma disse...

And? Stop spamming for Castle's sake...